Mulheres que cuidam | O TEMPO Betim
 

Mulheres que cuidam

'Mulheres que cuidam'; leia a coluna de Laura Medioli desta semana

Por Laura Medioli

Publicado em 11 de novembro de 2023 | 03:00

 
 
Coluna Laura Medioli, 'Mulheres que cuidam' Coluna Laura Medioli, 'Mulheres que cuidam' Foto: Acir Galvão
Laura Medioli
Colunista de Opinião
Colunista de Opinião
aspas
normal

Enquanto dirigia, escutava no rádio comentários sobre o tema da redação do Enem. E comecei a rir sozinha, imaginando o quanto as mulheres devem ter sobressaído aos homens, afinal, o assunto é pertinente a nós, mulheres, que vivem no dia a dia a invisibilidade do trabalho de cuidado, nem sempre reconhecido ou valorizado.

No meio do trânsito caótico, fui refazendo em minha cabeça a história das tantas mulheres que cruzaram a minha vida, deixando recordações boas, sofridas, exemplares...

As Marias, as Joanas, as Elianas, as Dolores... mulheres fortes e incríveis que aprendi a admirar e respeitar. Ter passado dez anos próximo a elas em alguns aglomerados da região metropolitana foi um ensinamento para toda a vida, que sequer saberia descrever – só mesmo vivenciando de perto a labuta dessas mulheres para compreender a dimensão de seus valores. Penso nelas com suas duplas ou triplas jornadas de trabalho, vistas como algo natural, inerente ao gênero, sem os méritos e reconhecimento devidos. 

Sem desconsiderar as mulheres da classe média ou alta que também têm suas jornadas duplas, mas que normalmente contam com ajudas de outras mulheres ou de seus companheiros, foco naquelas – a grande maioria – que não têm a quem recorrer. Enquanto trabalham numa fábrica, cozinhando para terceiros ou cuidando de crianças de outras mulheres, deixam na sua própria casa os filhos pequenos sob os cuidados de uma vizinha, de uma avó ou até mesmo de outras crianças. Não é raro ver uma garotinha de 6, 7 anos, cuidando do irmãozinho menor, iniciando desde pequena o seu papel de cuidadora.

Quantas mulheres criam os filhos sozinhas, sustentando a casa com seu trabalho suado, mulheres abandonadas ou maltratadas por companheiros violentos, que não assumem responsabilidades. Quantas se desdobram para manter a família com um mínimo de dignidade. Cuidam também dos pais idosos, da vizinha sem filhos, acamada por um AVC, cuidam de quem se encontra em situações adversas, sim, porque essas mulheres fortes nunca ignoram o sofrimento de quem está próximo. Solidariedade feminina foi o que mais encontrei ali.

No trânsito congestionado penso também nas mães dos CTIs, que deixam um mundo lá fora, às vezes durante meses, para cuidar, nem que seja com suas orações, dos seus pequeninos valentes que lutam pela vida. Penso nas mulheres, mães ou avós de filhos especiais, cujos problemas físicos ou neurológicos demandam tempo, compreensão e absoluta dedicação, tendo à frente de tudo o incondicional amor.

Penso também nas mulheres das portas de cadeia; por mais ordinários que sejam seus homens, filhos, companheiros ou amantes, elas estão lá. Nunca me esqueço do comentário de um amigo policial. 

– Laura! Você já esteve na porta de uma cadeia masculina? 

Disse que não, pelo menos não me lembrava. E ele contou: 

– Só tem mulher na fila, aguardando a hora da visita. E são muitas. Algumas, até se expondo ao risco, escondendo celulares ou drogas para seus companheiros. E nas cadeias femininas? – completou ele. – Algum homem visitando suas filhas, amigas ou companheiras? Não, eles simplesmente desaparecem. Nas filas das cadeias, apenas mulheres, mulheres cuidadoras. 

Final de tarde, o trânsito continua um inferno. No sinal vermelho, paro ao lado de um ônibus lotado. Lá dentro, mulheres com fisionomias cansadas. E tento imaginar o que vai em suas cabeças: a janta do dia, o banho das crianças e seus deveres escolares, a tosse da mais velha, que não cessa, o chá de boldo que a vizinha ensinou a fazer, o uniforme do companheiro para pregar botão, o dinheiro contado para o leite da bebê... Tantas coisas e providências as aguardam, enquanto, pensativas, sacolejam no ônibus lotado. Moram longe, o percurso é longo, até que, exauridas, se esquecem de pensar nelas.  

Dedico esta crônica a essas mulheres invisíveis, leoas admiráveis, que se dedicam a cuidar das pessoas, de seus pais, filhos, netos, amigos, companheiros... O meu reconhecimento e total respeito.