OPINIÃO

Aparece lá em casa!

Laura Medioli relembra um churrasco com amigos em casa. Leia mais!

Por Laura Medioli

Publicado em 15 de novembro de 2024 | 15:06

 
 
Ilustração para coluna de Laura Medioli Ilustração para coluna de Laura Medioli Foto: Acir Galvão
Laura Medioli
Colunista de Opinião
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A informalidade do brasileiro, para quem não está acostumado, assusta. Lembro-me de um comentário feito por meu marido nos seus primeiros tempos de Brasil.

– Aqui tem coisas que eu não entendo. Se alguém me convida para “aparecer” na sua casa, mas não me passa o endereço, horário ou qualquer indicação, é um convite para ser levado a sério ou não?

Até que, ao conhecer minha antiga casa, um ano após aportar no país, entendeu que “aparecer” é aparecer mesmo, sem necessidade de agendamento. Minha casa era tão incrivelmente aberta às pessoas que ele, mesmo sem entender, acabou aderindo à ideia. E começou a aparecer por lá. Criou vínculos com meus pais, com meus irmãos, até que, dez anos depois da primeira ida, entre encontros e desencontros, acabou me levando com ele para outra casa, onde há 38 anos recebemos antigos e novos amigos.

Com pouco tempo de casados, já candidato a deputado federal, Vittorio me ligou às três da tarde para dizer que tinha convidado, após uma convenção partidária, alguns prefeitos e outros políticos para um churrasco em nossa casa.

Detalhe: em casa de vegetarianos não existe churrasqueira, ou seja, como ele me diz que dentro de cinco horas faríamos um churrasco? Detalhe dois: nunca tínhamos feito churrasco na vida. Três: os convidados eram mais ou menos 30. Quatro: a luz do ambiente do jardim, onde havia uma suposta e aposentadíssima churrasqueira do antigo morador, não funcionava.

Não propriamente a luz, mas a fiação. Cinco: da mangueira gigante que ficava no centro da área externa, caíam mangas de dez em dez minutos, que se espatifavam no chão com direito a abelhas e lambanças. E eu já fui logo pensando: e se cai uma manga na cabeça de um deles? Devido ao tamanho da fruta e à altura dos galhos, o perigo era iminente. Evitei pensar em fatalidades e possíveis manchetes como “prefeito morre com mangada na cabeça”, pois já tinha coisas demais com que me preocupar, tipo: onde iria colocar 30 pessoas para se sentarem? Antes de enlouquecer, fui enlouquecer o jardineiro e a cozinheira.

– Chiiiiico!!! Temos que limpar a área da mangueira urgente, não se esqueça de tirar as mangas com as abelhas... Cadê o telefone do eletricista? Alguém viu a caderneta? M...! Tenho que arrumar alguém que entenda de churrasco, quem sabe o Carretão me ajuda nisso?

– Não se preocupe, senhora! Levamos tudo... A carne, o arroz, o vasilhame... É para quantas pessoas mesmo?

Também liguei para minha mãe.

– Sim, mãe, está tudo certo, apenas me passe o telefone daquela loja de festas em que você costuma alugar as mesas.

– ...

– Perdeu o número? E o nome, você lembra?

Naquela época não existiam celulares, computadores pessoais e nem sonhávamos com os “googles” da vida. Corri para as páginas amarelas do catálogo. Alguém se lembra disso? Do tamanho dos antigos catálogos e de suas folhas amarelas? Pois é, lá fui eu procurar nas letras miúdas o raio da loja de aluguel de móveis.

O eletricista chegou, ou melhor, foi buscado quase à força para me ajudar a resolver o problema. E numa gambiarra homérica esticou um fio de um canto a outro até conseguir pôr iluminação no lugar. Aproveitei a ida do homem para ajudar na montagem da “churrasqueira” – um monte de tijolos, um em cima do outro, com algumas adaptações; sacos de carvão adquiridos às pressas pelo antigo motorista da minha mãe, que, preocupada, me disponibilizou também o jardineiro. Menos mal que eventos políticos costumam ser sem frescuras, sem superorganizações e meio de improviso. Estávamos dentro do padrão.

Às 20h em ponto, começaram a chegar os convidados. Alguns, com a esposa a tiracolo. Tinha até flores em cima das mesas, a cerveja gelada era servida por simpáticos garçons, enquanto churrasqueiros tarimbados se viam às voltas com uma churrasqueira improvisada pra lá de complicada. Resumindo: a festa, impecável, e eu, destruída – literalmente falando.

Chamei meu marido num canto:

– Da próxima vez eu te mato!

E ele:

– Eu sabia que você daria conta... – Acabamos rindo no final da história, afinal, desde menina estou acostumada a ver gente “aparecendo” em minha casa. Mas 30 de uma vez? Para um churrasco sem churrasqueira?

Como diz minha amiga: “pelamordedeus”...