Laura Medioli

Laura Medioli

Laura Medioli é escritora e presidente da Sempre Editora, responsável pela publicação dos jornais Super, O TEMPO e O Tempo Betim, além da rádio FM O TEMPO e do portal O TEMPO. Formada em estudos sociais, Laura já atuou como professora e se dedica de forma intensa hoje à causa da proteção animal.

LAURA MEDIOLI

Revolução platônica

Após uma anabolizada geral, começou a se sentir estranho, aquelas dores esquisitas. Leia mais

Por Laura Medioli
Publicado em 18 de março de 2023 | 03:00
 
 

Após uma anabolizada geral, começou a se sentir estranho, aquelas dores esquisitas, o cabelo caindo, os bíceps explodindo. O amigo já havia lhe dito que músculo à base de química não era uma boa. E ele lá, em frente ao espelho, se perguntando se realmente valia a pena.

Saradão, fazia sucesso na academia, em especial com a turbinada Marilene, seu mais constante affair.

Preocupado com as últimas reações do corpo, resolveu ir à biblioteca municipal para ler alguma coisa a respeito. A biblioteca era uma enormidade, e ele, perdido, saiu em busca de informações. Era uma época em que internet era novidade para poucos e o Dr. Google sequer existia.

E foi no meio de corredores e estantes altíssimas que topou com ela, uma mirradinha morena, de oclinhos redondos e olhar inteligente, na ponta dos pés, tentando alcançar um livro.

Atabalhoado como sempre e acostumado a movimentos bruscos, quis ajudá-la. Claro, deu no que deu. Uma enciclopédia inteira na cabeça da garota, que, em câmera lenta, tombou em seus braços bombados.

Nem sabia o que fazer; desculpar-se com uma semidesmaiada não resolveria. Pegou a menina e sentou-a na cadeira, tomou-lhe o pulso, dando-lhe tapinhas e verificando galos na cabeça. E foi assim, da forma mais inusitada possível, que ele se descobriu às voltas com estranhas emoções. Aquela jovem pequena e bonita despertara nele sentimentos e cuidados nunca antes vividos. Encantado, jamais imaginou que essa coisa de “primeira vista” pudesse ser possível. Envolver-se com alguém não somente na forma carnal estava em segundíssimo plano, no entanto, de repente, lá estava ele, com o coração em descompasso e a emoção escapulindo pelos poros.

O nome dela era Raquel, doutoranda em filosofia e antropologia, tradutora oficial de grego e hebraico, aparentando no corpo frágil bem menos que seus 25 anos.

Na cantina da biblioteca, conversaram. Ela, de uma maneira fluida, com o charme da timidez latente e o domínio dos conhecimentos, deixou-o impressionadíssimo. Ele nem tinha o que dizer; atento, interessou-se por sua história, suas viagens pelo mundo, pelo trabalho que ela fazia com prazer e dedicação, pelas diferentes e bizarras culturas que encontrou no planeta, pelos estudos dos hieróglifos nos quais se empenhava no momento. E ele nem sequer sabia o que era isso, pensou com seus botões.

Após expor em minúcias e sem afetação suas atividades vocacionais, Raquel quis saber dele, o que fazia, o que lhe dava prazer. Embora não tivesse concluído o curso de educação física, trabalhava em academias, clubes, além de fazer alguns bicos, virando-se como podia. E o que lhe dava prazer? Claro, o esporte, a musculação, o halterofilismo, tinha nascido para aquilo, dizia, inchando o peitoral de uma maneira nada discreta.

Acostumado a fazer sucesso com a tal musculatura, não entendeu como a garota nem sequer moveu os cílios.

Absorveu-se tanto pela conversa dela que, mesmo não tendo compreendido a metade, passou a frequentar assiduamente a biblioteca. Sabia que ali a encontraria e, sentados à mesa da cantina, falariam sobre Platão, cabala, existencialismo, entre outros. Ou melhor, ouviria sobre Platão, cabala, existencialismo e coisas do tipo.

Desde o primeiro encontro, correu para o Aurélio. “Hieróglifo” era uma palavra demasiadamente complicada e nova em seu vocabulário, carecia de estudos. Aristóteles recebeu influência de Platão, até aí tudo bem, mas quem foi mesmo esse cara? O tal de Heráclito? Além de filosofar, o que mais faz um filósofo? Questionamentos como esse iam lhe martelando a cabeça. Procurou o amigo professor de história, não queria queimar seu filme com a garota. Além de escutar, queria participar, dar suas opiniões.

O amigo riu, disse que era loucura. E ele:

– Cara! Loucura é o que estou sentindo por ela. Preciso de aulas. Urgente!!!

E em certa academia:

– Hieróglifos? Acredita que ele me perguntou o que era isso? E que achou um absurdo eu não saber direito quem foi Platão?

– Calma, Marilene, ele só resolveu se instruir um pouco... Saber das coisas...

– Que coisas? Desde quando se interessa por isso? Ah! Aí tem. E quer saber? Vou estudar Platão de cabo a rabo. Tá pensando o quê? Que sou uma inculta?

E do outro lado da cidade:

– Amiga, ando meio enferrujada, meio caidinha... O que você acha de eu entrar para uma ginástica, uma musculação, uma...

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