Laura Medioli

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Laura Medioli é escritora e presidente da Sempre Editora, responsável pela publicação dos jornais Super, O TEMPO e O Tempo Betim, além da rádio FM O TEMPO e do portal O TEMPO. Formada em estudos sociais, Laura já atuou como professora e se dedica de forma intensa hoje à causa da proteção animal.

LAURA MEDIOLI

Tragédia anunciada

Desde criança, tinha o sonho de ser professora. Leia mais na coluna de Laura Medioli

Por Laura Medioli
Publicado em 15 de abril de 2023 | 03:00
 
 

Desde criança, tinha o sonho de ser professora. Aos 10 anos, enfileirava as bonecas no banco do jardim e, com um quadro-negro improvisado, dava aulas de português, ciências ou o que me viesse na telha. O tempo passou e só voltei a “lecionar” com 16 anos, fazendo estágio num grupo escolar. Havia me formado em magistério. Adorava os “aluninhos” que me chamavam de “tia”, crianças magrinhas, afetivas e bonitas na sua inocência.

Anos depois, já na faculdade, mais estágios, dessa vez com adolescentes. A escola, na periferia da Grande Belo Horizonte, era distante de minha casa. Mas, para mim, nenhum problema, a não ser a dificuldade em administrar horários, já que de manhã cursava geografia na Universidade Federal, à noite, estudos sociais na Faculdade Newton Paiva, à tarde, italiano e, para completar, o estágio. Saía às sete da manhã, só retornando às 23h30. Minha mãe, preocupada, via a filha ir “sumindo” (nos dois sentidos) a cada dia.

– Filha, você tem que se alimentar direito. Dá um jeito de passar em casa para almoçar, jantar, essas coisas.

Naquele pique peculiar aos jovens, a última coisa de que eu me lembrava era da alimentação. Passava mais tempo dentro dos ônibus do que nas aulas em si. Pra cima e pra baixo, até o dia em que caí, semidesmaiada, entre a roleta e o trocador.

– Menina, há quanto tempo você não se alimenta? – perguntou-me uma senhora, preocupada.

E, constrangida, fui fazendo a retrospectiva de minhas refeições, não a daquele dia, porque só me lembrava do café, mas a do dia anterior. Almoço: um pão de queijo no Kid Batata; jantar, um quibe no Rei do Kibe (será que ainda existem?). Tudo regado a refresco e Coca-Cola. Veneno puro!

Por ser pequena e com uma aparência meio infantil, além da insegurança natural à nova experiência, impunha zero respeito.

– VOCÊ que vai ser a professora??? – indagavam os alunos num misto de surpresa e graça.

Os alunos eram bem maiores do que eu. Com seus bigodinhos, tatuagens, hormônios e risinhos debochados, levaram-me a questionar o que era mesmo que eu estava fazendo ali. Acostumada com professoras mais velhas do que eu, gabaritadas e experientes, a garotada de repente se viu no céu, e eu, no inferno, naturalmente.

Descobri que na sala o que menos tinha era aula. Não porque eu não quisesse, mas devido às circunstâncias e aos eventuais contratempos, como a ausência, por algum motivo, da responsável pela turma.

Aos alunos faltava tudo: livros, cadernos, vontade, disposição... E foi com alívio que vi retornar, dois dias depois, a professora titular.

Escrevo, rindo sozinha, ao me lembrar desses longínquos episódios. Apesar de tudo, era uma época em que ainda existia certo respeito nas salas de aula, uma hierarquia a ser seguida, uma deferência nas relações, o que hoje, pelo que consta, mudou bastante.

O quer esperar dessa juventude em formação, sem limites, sem exemplos, vivendo em meio a uma escalada da violência, muitas vezes dentro da própria casa? O que está ocorrendo em nosso país, em que a indústria da criminalidade é a que mais prospera? “Empregando” menores e jovens sem outras oportunidades?

Palco de crimes insanos e ameaças constantes, nossas creches e escolas tornaram-se a pauta do momento.

Forma extrema da violência, o homicídio é plantado e regado continuamente nas telas da televisão e pela imprensa de modo geral. Afinal, desgraça é notícia, bondade e amor, não.

Não me espanto ao saber que um desequilibrado, provável vítima de bullying, carente de holofotes e de cuidados psiquiátricos, venha a cometer esse tipo de crime. Principalmente após concluir a repercussão que isso lhe possa gerar, a possibilidade de ser visto pela sociedade, mesmo que da maneira mais negativa e repugnante.

Já perceberam que, logo após um crime dessa natureza, seguem-se outros mais ou menos iguais? Por quê? Ora, porque viram na TV, nos jornais, nas redes sociais e se enxergaram ali, no centro das atenções!

Sabe-se que a divulgação de um suicídio na mídia ocasiona outros tantos, por isso foi proibida. Creio que é o momento de repensar essa questão da violência escolar, não bastando apenas omitir os nomes e detalhes desses crimes, como foi direcionado à imprensa. Assim como os suicídios, deveria ser proibido divulgar esse tipo de matéria. Para que, assim, outros desajustados não se espelhem nem articulem em suas mentes doentes de serem a próxima notícia.

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