OPINIÃO

A chave é amar

Cair e levantar, lutar e perdoar, repelir e atrair, mas a chave é o bem, é amar

Por Vittorio Medioli
Publicado em 17 de novembro de 2024 | 09:16
 
 
'A chave é o bem, é amar'

Enquanto se é jovem, o prelúdio do fim, a velhice, parece tão distante como outra galáxia.

Nunca chegaremos lá. 

Porém, em certo momento me intriga ver gente nos deixando: alguns amigos e, a conta-gotas, os avós, tios, pais e outros por decurso de prazo. Chega-se à posição de sermos os próximos em ordem temporal, ninguém mais na fila. Ficamos órfãos na plateia de onde se assiste à representação interpretada pelas novas gerações. Depois de as outras gerações terem se dissolvido como as luzes do pôr do sol, passamos a contar quem sobra da nossa geração. Contam-se os sobreviventes, e subirmos o morro para a despedida de entes queridos passa a ser uma ginástica. 

Sim, a nossa validade é determinada, sem ser estampada no frasco ou na bula. Ao nascer, ao sair do ventre da mãe, a única certeza é que deveremos deixá-la enterrada ou como cinzas espargidas. Bom mesmo é desconhecer quando e como, é não termos que ficar numa contagem perturbadora. 

Começa em certa época a se agradecer pelos anos, depois pelos meses, enfim pelos dias. Um dia a mais representa o resto de nossa nova vida, de um recomeço valioso de possibilidades neste planeta, sempre que a saúde nos seja companheira fiel. 

Chega-se a um ponto em que se tem certeza, na lógica cósmica, de que nós temos apenas uma vida; o purgatório, o inferno ou, ainda, o paraíso são metáforas de estados entre vidas. 

Num universo de bilhões de anos e de galáxias, de trilhões de planetas, nada se destrói, mas tudo se transforma, como ensinou Antoine-Laurent de Lavoisier. Nós também vamos mudando, evoluindo, expandindo-nos, continuando em um ou outro dos mundos. 

No ensinamento Vedanta, os homens e mulheres são seres que alcançaram o mérito de se encararem como tais mantendo a individualidade consciente, depois de incontáveis ciclos minerais, vegetais e animais. 

A condição privilegiada do ser humano, que o faz rei deste mundo, é possuir o livre-arbítrio, que exercita em milhares de vidas até encontrar uma porta aberta. Esta, dizem, sempre existiu, “ninguém pode fechar” para passarmos adiante, num estágio pós-humano. Talvez angelical, desempenhando outras tarefas em mundos e dimensões mais adiantados. Difícil de se entender na ressaca da luta terrestre. 

Fascinante. Perturba profundamente, contudo, quem prefere ficar mergulhado na matéria, nos prazeres dos sentidos, ou se escora apenas na ciência “conhecida” e tenta eliminar o que não vê, não sente.  

Em mais elevadas tarefas – coisas que se parecem agora como “pérolas jogadas aos cães e porcos” – caberá a ele cuidar de outras centelhas divinas do conjunto-uno em viagem eterna neste universo: revelação do pensamento de alguém, dito de Deus. 

Isso, por paradoxal que pareça, não entra em conflito com a religião católica, é a semente escondida, cujo fruto, para alguns poucos, já se fez verdade e, para outros, ainda não. 

Cristo não é uma pessoa, é a realidade alcançada por um ser. O estado crístico dá início ao pós-humano, à Ascensão. É o resultado, a meta de uma trajetória evolutiva a que somos destinados. Alguns em posição mais adiantada, outros menos. Disso vem a multiplicidade na diversidade, e cada um com o dever de se importar com aqueles que vêm atrás. 

Rudolf Steiner escreveu, ou melhor, interpretou e reescreveu os quatro evangelhos e lhes adicionou um quinto, cujo conteúdo apenas entenderão os que se elevaram acima das aparências, dos enganos, da luta crua por dinheiro, poder e glória. Efêmeros como pedra de Sísifo. 

Cair e levantar, lutar e perdoar, repelir e atrair, mas a chave é o bem, é amar. Os prazeres passageiros, para conseguirmos coisas que aqui ficarão – apenas meios, e não fins –, como disse Qolet, são “fome de vento”.