OPINIÃO

O flagelo

À vitória de Nicolás Maduro faltam os requisitos básicos para dar respaldo ao resultado

Por Vittorio Medioli
Publicado em 04 de agosto de 2024 | 09:38
 
 
Venezuelanos protestam contra resultado de eleição presidencial (Photo by Pedro Rances Mattey/AFP)

Algumas evidências e uma lógica rasa – compreensível até por quem, sem conhecimento profundo de letras e filosofia, teve acesso apenas à alfabetização – apresentam circunstâncias e ponderações que aniquilam a credibilidade das eleições, do último fim de semana, na Venezuela.

Numa democracia de verdade, o resultado, a voz das urnas, segue o rumo do progresso e do desenvolvimento, do crescimento econômico, da abundância, da prosperidade, dos bons serviços públicos, pois, em que pese uma ideologia ou muita demagogia, ninguém gosta de apanhar, de ficar desempregado, de passar fome, de perder a liberdade, de ver filhos sofrendo. Sem contar o asco de uma figura que no currículo possui apenas a condição de ser sucessor de quem destruiu a economia nacional.

Ao longo dos séculos e da história, quando o povo é chamado a decidir e escolher um governante, rejeita o déspota que, com o poder nas mãos e as mais exuberantes riquezas, transforma o país num gueto esfomeado, desfigurado, caótico e sem rumo.

Assim, à vitória de Nicolás Maduro faltam os requisitos básicos, em sua totalidade, para dar respaldo ao resultado, e sobra um êxodo de 8 milhões de venezuelanos, cerca de 20% da população, que fugiram recentemente para os países próximos e mais distantes.

É preciso recorrer às teorias de Papai Noel, suportável para crianças de menos de 5 anos, para aceitar a legitimidade do resultado que manteve Maduro no poder. Como na física a água não sobe a cachoeira, em eleições os votos não vão para quem desgraçou a nação e colocou em fuga sua população. Não se trata de legitimidade ou de matemática, apenas de alinhamento com a lógica mais comezinha.

Podemos esquecer quem Maduro é, mas consideremos apenas as circunstâncias que a Venezuela enfrenta. A narrativa exposta ao mundo, de que ele foi legitimamente reeleito, remete ao inacreditável, ao fantasioso, ao acinte: os habitantes sobreviventes no território identificado como Venezuela, com direito ao voto, são inconsequentes e desajuizados, com instintos suicidas. 

Tirando quem vive grudado nas torneiras, cada vez mais deficientes do governo, cerca de 15% da população venezuelana, os remanescentes não têm razão de votar no que representa a desgraça, o desastre e a falência do país mais arrasado das Américas. Seria demais!

Ora, o Brasil, um dos poucos países que vivem ombro a ombro e já testemunhou o êxodo do povo flagelado, que reação oficial está mostrando? Ainda em consideração pelo agravamento das consequências diretas para a nação brasileira?

O Brasil aparece ao resto do mundo como um país desalinhado com a democracia louvada pela ONU e cúmplice da ditadura que arrimou o país limítrofe?

Essa questão da fraude eleitoral, que perpetua o desastre humanitário no continente, deveria ter por parte do Brasil uma atitude alinhada com as principais democracias mundiais: repúdio e estudo de intervenções para deixar o povo ser governado por quem ele escolheu. 

Até pela proximidade, que a cada solavanco despeja mais venezuelanos fora de seu berço, a posição do Brasil se torna fundamental para o enfrentamento do desastre. 

O governo brasileiro, mais do que assumir a figura de observador preocupado com a população violentamente castigada e com o “banho de sangue” anunciado por Maduro para esvaziar as ruas do país, está dando um exemplo de incongruência. As atitudes são de “cumplicidade” com uma situação inconcebível, que custará muitas vidas humanas e a fome que se abaterá sobre os sobreviventes.

Os efeitos da tragédia venezuelana se refletirão no humor eleitoral dos brasileiros, especialmente sobre aqueles com simpatia pela esquerda, mas que preferem a democracia.

Mais um “esforço” do atual governo brasileiro em apoio ao crescimento da direita, como ocorre no mundo afora.