Quando parecia inquebrantável a unanimidade dos membros da Primeira Turma do STF durante os julgamentos dos episódios do 8 de Janeiro, o ministro Luiz Fux acabou de abrir a via da divergência. Divergência nesses processos quer dizer não concordância com o juiz relator, no caso o ministro Alexandre de Moraes.
Essa atitude divergente de Fux vem após outra decisão dele, que determinou a suspensão (pedido de vista) do julgamento da cabeleireira Débora decorrente da pichação da estátua A Justiça. Ato realizado com batom, que está se tornando o mais celebrado da história republicana. Débora está sendo condenada por vários crimes, como associação armada (usando batom), à multa de R$ 30 milhões, que a cabeleireira não conseguira ganhar nas próximas 20 reencarnações.
Se consultarmos a nossa legislação, a pena por crime de vandalismo (dano ao patrimônio público), previsto no artigo 163 do Código Penal – “Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia” –, prevê pena, em caso de condenação por dano simples, de detenção de um a seis meses, ou multa de um a seis salários mínimos. Ela também teria direito a atenuante: o batom não gera dano permanente, trata-se de substância solúvel, como de fato se demonstrou.
Ainda no ato, ela adotou citação de ministro do STF, que não representa instigação à violência, ofensa ou vilipêndio, mas considerações de ordem filosófica expressas em linguagem popular, vertendo-se na forma de aceitar a derrota. Reproduzir citações de pessoas ilustres, mesmo polêmicas, nunca foi considerado crime. “Perdeu, mané”, simplesmente – sem adjetivos, lacônico e funéreo. Real. Mané perdeu mesmo.
De regra, um voto não muda o resultado da maioria de uma turma do STF, entretanto certos votos lapidares abrem discussão sobre questões importantes que podem “constranger” ou “obrigar” a rever posições que pareciam consagradas. Não seria a primeira vez. No caso de Débora, deu isso. Ela acabou sendo solta, depois de 26 meses de prisão, no dia seguinte, 28/3, sexta-feira, e voltou para casa, com seus filhos crianças.
Fux adotou, em seu posicionamento, o que muita gente pensa e comenta (“Vox populi, vox Dei”). Não apenas de bolsonarista, direitista ou congêneres. Trata-se de incontáveis advogados que exteriorizam suas opiniões, que divergem até da abertura de processos a partir da última e irrecorrível instância (a revisora), STF. A quem recorrer?
Por variadas questões como essa, a OAB-RJ protestou por meio de manifesto – que tem consentimento majoritário da categoria. O próprio ministro Fux é cidadão do Rio e exerceu advocacia naquele Estado; sua posição surge, no caso do 8 de Janeiro, em sintonia com pensamento de seu ambiente de origem.
O ministro revelou, ainda, que o ânimo de seus colegas ministros pode ter sido “influenciado”. “Nós julgamos – disse Fux – sob violenta emoção após a verificação da tragédia do 8 de Janeiro. Eu fui ao meu ex-gabinete e vi mesa queimada, papéis queimados […], eu acho que os juízes na sua vida têm sempre que refletir nos erros e nos acertos, até porque os erros autenticam a nossa humanidade”.
Os advogados de defesa grifaram: “Quando um ministro do STF reconhece publicamente que sentenças foram proferidas sob emoção e que algumas penas podem ter sido exacerbadas, fica evidente que houve um afastamento dos princípios fundamentais do devido processo legal e da individualização da pena”.
No caso do delator Mauro Cid, peça fundamental do golpe que não ocorreu, Fux externou suas dúvidas: “Nove delações representam nenhuma delação (...). Não tenho a menor dúvida de que houve omissão (de Cid). Tanto houve omissão que houve nove delações”. Ponderou ainda: “Vejo com muita reserva nove delações de um mesmo colaborador, cada hora acrescentando uma novidade... me reservo o direito de avaliar, no momento próprio, a legalidade e a eficácia dessas delações sucessivas, mas acompanho (o voto do relator) no sentido de que não é o momento de se decretar a nulidade”. Nulidade que aniquila as acusações baseadas na delação.
Outra questão que pode provocar mudança de direção é mais um voto isolado de Fux, aceitando o questionamento pelo qual a deliberação de caso dessa envergadura deve ocorrer no plenário do STF, e não na Primeira Turma, composta por apenas cinco ministros.
Fux ponderou poeticamente: “Debaixo da toga palpita um coração humano...”. Talvez aludindo ao anônimo cabalista: “Justiça se faz com misericórdia”.