Ulysses Guimarães, figura ímpar, já no seu décimo mandato de deputado federal, com relação à qualidade do Congresso Nacional (suprema manifestação do Poder Legislativo brasileiro), afirmava, durante a posse dos recém-eleitos: “Esta legislatura tem menor qualidade que a última, mas será melhor que a próxima”.
Pessoalmente, presenciei, de 1991 a 2007, a implacável verdade dessa asserção como tendência do Poder Legislativo, que, com algumas exceções, repete-se em Casas Legislativas de Estados e municípios de todo o Brasil.
Assembleias estaduais e municipais costumam reproduzir a constante queda de qualidade e conteúdo intelectual dos Parlamentos, acarretando graves transtornos e atrasos para a sociedade.
Apesar disso, tem ocorrido uma elevação abismal de gastos dessas Casas, injustificados e estratosféricos, que retiram imensas verbas de finalidades sociais e prioritárias.
Apenas para ilustrar essa realidade, dou o meu testemunho. No meu primeiro de quatro mandatos, em 1991, época em que conheci Ulysses Guimarães, orador da minha posse, a remuneração do deputado federal era o equivalente a US$ 1.500 mensais, com direito de nomear seis assessores com salários que variavam entre US$ 200 e US$ 700.
A garagem da Câmara, naqueles anos, possuía vagas, como agora, para os 513 deputados, mas menos de metade delas era ocupada por veículos em dia de convocação. Não havia verba para combustível, e os deputados, em sua maioria, usavam vans comunitárias deixadas à disposição do colegiado.
Hoje, depois de três décadas, gravitam em volta da Câmara cerca de 4.000 veículos, e todas as despesas são reembolsadas, tanto de aluguel dos veículos quanto de consumo de combustíveis, por meio de apresentação de notas fiscais.
O Orçamento da Câmara chega a R$ 7,46 bilhões anuais, ou seja, um gasto de R$ 14,6 milhões por parlamentar. Se isso parece um absurdo, no caso da Assembleia Legislativa de Minas, pode ser ainda maior, pois pode chegar a R$ 20 milhões por deputado estadual. Já a Câmara de Vereadores de Belo Horizonte ajuda a estarrecer as almas mais curtidas, pois despende cerca de R$ 9,7 milhões anuais por vereador.
O Senado, por sua vez, tem recursos que equivalem a R$ 70,4 milhões anuais por membro, ou seja, o valor de quase cinco deputados federais, que, seguramente, já estão entre os mais caros do planeta.
E, se forem somadas as verbas partidárias e eleitorais à disposição bem dizer dos mesmos congressistas, o custo para o erário quase dobra. Mais algumas dezenas de bilhões de verbas orçamentárias para destinar Brasil afora, além de milhares de nomeações e cabides de empregos criados e preenchidos por indicação direta, completam a farra.
Não bastasse, existe ainda a “taxa incalculável de corrupção”, aquela de retorno pelas indicações de verbas tiradas de fundos, emendas, repasses e outras ações que invadem a competência do Executivo.
Nesse quadro sombrio e decadencial, como disse o novo presidente do STF, Luís Roberto Barroso, o “conflito de competências”, ou a usurpação de prerrogativas e direitos, passa a ser uma consequência insofismável. Exatamente na contramão do aumento descomunal das finanças públicas que gravitam em volta do Legislativo.
O Brasil, assim, é um país que perde o bonde do desenvolvimento por não ser fiel aos princípios de meritocracia, austeridade, decência e sustentabilidade, parecendo mais uma orgia tentacular de interesses predatórios.
Ocorreu, no passado, a cassação de deputados federais por faltas gravíssimas, apuradas em investigações que revelavam crimes comuns, nunca de opinião, que é, ou deveria ser, protegida constitucionalmente.
Cheguei a participar de vários processos e votações que afastaram deputados corruptos e criminosos, sendo um deles responsável por executar indígenas, cortando-os com motosserra, e outros falsários, que forneciam credenciais de congresso para escoltar comboios de drogas ilícitas. Enfim, crimes gravíssimos, contra os quais era impossível não reagir com o afastamento.
Mas, atualmente, a decadência do Legislativo chegou a tal ponto que uma denúncia por supostos crimes de opinião ou de comportamento descontrolado enseja pedidos de cassação. Na Câmara de Belo Horizonte, tramitam nove processos de cassação, decorrentes de acertos políticos de facções que se tornaram adversárias.
Além da nítida banalização do pedido de cassação por rinhas políticas, chama atenção que uma deputada federal, ou seja, de outra Casa Legislativa, entre com pedido de cassação contra o atual presidente da Câmara Municipal.
Coisa de outro mundo, não daquele mundo da razão, do decoro e da maturidade que, em qualquer hipótese, deveria seguir uma pessoa ponderada. A meu ver, tal parlamentar, estando em uma instância superior, demonstraria mais republicanismo se descesse sua escada para mediar uma pacificação. Digo isso sem jogar gasolina na fogueira...
Se Ulysses Guimarães estivesse vivo, com sua sabedoria incontestável, poderia concluir: “Esta é mais uma prova de que a degradação do Legislativo não tem fim”. E quem paga é o povo!