Um tempo atrás visitei as ruínas de uma igreja franciscana à beira do rio São Francisco, em Mocambinho, construída em 1627. Reparei que os tijolos dela eram marcados com o nome de uma cidade de Portugal.
Isso atesta que tudo, mesmo o minimamente elaborado, era importado naquela época enquanto daqui saíam apenas suas riquezas, como ouro e pedras preciosas.
A época agora é outra. Os desafios mudaram.
Se um motor a gasolina emite em média 155 gramas de carbono (CO₂) por quilômetro (g/km) rodado, um motor flex abastecido com etanol emite apenas 37 g/km. Significa uma redução da poluição de 4,19 vezes. Se o motor não fosse flex e apenas preparado para etanol, a aumentaria em 20%, e as emissões cairiam a 31 g/km, diminuindo a emissão 4,84 vezes.
Considerando o veículo híbrido a gasolina, as emissões são 94 g/km, e com gasolina brasileira (com 27% de etanol) diminui para 80 g/km. Um carro elétrico com matriz europeia de energia elétrica emite 54 g/km; já com a matriz elétrica brasileira, 35 g/km.
Não paira dúvida de que o Brasil tem à disposição atualmente, com o etanol, a solução mais ambientalmente correta, para descarbonizar o planeta entre as muitas à disposição internacionalmente. A motorização a etanol é imbatível agora e por muitos anos que estão por vir.
Incrivelmente, o nosso país deixa de incentivar uma motorização dedicada exclusivamente a etanol. Não existe a venda, apesar de crescer a cada dia, em decorrência do aumento da conscientização ecológica, o número de usuários que preferem optar por abastecer na bomba do etanol sem fazer cálculos de economia financeira.
Esses usuários são milhões e convictos, pois, mesmo com motor flex e com a gasolina economicamente vantajosa, o consumo de etanol continua em bilhões de litros por mês. É razoável acreditar que ao menos 12 bilhões dos quase 20 bilhões de litros de etanol hidratado consumidos anualmente no Brasil são de usuários, pessoas e empresas, “convictos”.
Poderiam optar os convictos por essa motorização dedicada com grande economia, decorrente do menor gasto, pois a relação de consumo com a gasolina, de 0,7, passaria a 0,84. Seriam assim economizados cerca de 3 bilhões de litros de etanol, ou R$ 10 bilhões.
Conceder-se-ia, dessa forma, às empresas inserir em seus balanços de emissões mais um item de redução de emissões. Para o usuário, a economia de 20% resulta, na hipótese de diminuição de 50 para 40 litros semanais, em uma economia de R$ 2.000.
Tudo isso é fácil de entender, mas nossos governantes são refratários ao apelo ambientalista coerente com nossa realidade.
O governo federal deu para carros elétricos, até R$ 274 mil, importados, a isenção do imposto de importação; para os demais, continua valendo 35%.
Ou seja, isenta a tecnologia estrangeira quando a nossa, melhor, mais barata, menos poluente, teve aumento recente (etanol) de ICMS. Seria apenas paradoxal não fosse indigência moral.
A nossa produção anual de etanol (28 bilhões de litros) avança muito menos que aquela dos Estados Unidos (136 bilhões de litros). Se nos últimos dez anos tivéssemos mantido a política de proteção ao etanol, e não de ataque sistêmico, estaríamos produzindo cerca de 100 bilhões de litros. Isso quer dizer que nosso consumo de gasolina poderia ser extinto no país, e teríamos excedentes para exportar. Sobraria petróleo também para colocar no mercado internacional.
Entretanto, quem dita as leis é o maior acionista da Petrobras, a União. A politicagem e as vantagens falam mais alto do que o interesse ambiental e o nacional. A Petrobras é um quintal da política nacional, com todas as mazelas desveladas pela operação Lava Jato.
Trata-se de uma galinha de ovos de ouro para “poucos”, e não para a nação como um todo. Seu dono faz de tudo para prolongar e fortalecer o uso do petróleo, e assim o etanol para a Petrobras fica como a cruz para o capeta. Arrepia. Atrapalha e faz o diabo com ele, pois, quanto pior para o etanol, melhor para o petróleo.
Descredenciar as tecnologias dominadas, genuinamente brasileiras, como o etanol, que vem do campo e gera milhões de empregos, é lucro para a Petrobras, representa lucros e vida longa. A Petrobras nunca vai moer cana, como deveria estar fazendo para compensar suas emissões. O seu DNA é extrativo e monopolista, nada tem de agro, sustentável, ambientalmente correto.
Os absurdos generalizados, que derivam dessa cultura do atraso, fizeram com que fossem dadas isenções à entrada de veículos elétricos, e, ainda, oito Estados da Federação concedem isenção de IPVA aos importados elétricos.
Neste momento único, de revolução energética, o Brasil, hiperdotado de recursos renováveis e não poluentes, perde oportunidades de valorizar seu tesouro. Continua se portando como em 1627.