Dois lados

Questão de idade: reconhecer ou não as limitações?

Assumir que se precisa de auxílio pode ser desafiador para muitos idosos; já para outros...

Publicado em 30 de junho de 2022 | 23:35

 
 

“Quando eu ficar velho, não quero depender de ninguém”. Atire a primeira pedra quem nunca pensou assim ao menos uma vez na vida. Se esse pensamento ainda não passou pela sua cabeça, certamente você conhece um idoso que resiste em aceitar a ajuda de familiares ou profissionais. Para essas pessoas, a mensagem da enfermeira especialista em gerontologia Kamille G. C. de Oliveira é direta: “No fim das contas, somos todos seres interdependentes”.

Atuante na área há mais de uma década, ela conta que percebe uma resistência maior entre os baby-boomers – como são chamados aqueles que nasceram nos primeiros anos após a Segunda Guerra Mundial –, criados de maneira rígida e autoritária. A profissional atribui esse comportamento a dois fatores: essa geração acredita que ser cuidado seja sinônimo de fragilidade e que envelhecer seja algo ruim por conta da perda do vigor físico. “Eles entendem que deixar de ter é deixar de ser”, diz Kamille.

A enfermeira, que também é empreendedora na área de capacitação/qualificação de profissionais dos cuidados com a pessoa idosa, ressalta que a ciência já mostra que a qualidade da velhice está relacionada aos nossos hábitos de vida e às condições às quais somos expostos. Segundo a especialista, embora a idade avançada de fato nos exponha a mais riscos, ela não deve ser considerada uma fragilidade por si só. “Geralmente, as pessoas em situação de dependência física são aquelas que apenas deixaram a vida levá-las. Mas esse comportamento deixa sequelas. A principal característica que eu vejo em quem aceita ajuda é o bom humor. Quem vive a fase adulta com leveza, independentemente de ter uma doença ou uma limitação, entende que contar com uma pessoa que facilite o convívio com outras é algo positivo. Esses idosos tendem a ser mais abertos a mudanças e a aprender coisas novas. Eles veem as adaptações como algo natural”, avalia a enfermeira.

Diante desses contrastes, Kamille afirma que o papel dela vai além de ensinar a cuidar. Primeiramente, é necessário trabalhar a aceitação em ser cuidado. “É desafiador, mas também é muito gratificante quando um familiar muda o seu olhar e entende que o seu lugar nesse processo não é hierárquico”, conclui.

Bem-resolvida com a longevidade

Aos 103 anos recém-completados, Carmozina Martins de Amorim parece confirmar a teoria de Kamille de que o bom humor seja o diferencial dos idosos que lidam bem com as limitações físicas que chegam com o tempo. Desde o início da pandemia da Covid-19, há cerca de dois anos e meio, ela e o marido, Salbeu Alves de Amorim, de 94 anos, passaram a contar com os cuidados e a presença da filha, Joana Dark Amorim, praticamente em tempo integral – e a novidade foi aprovada pela idosa. “Durante o dia, vou pra casa deles, no Filadélfia, preparo as refeições e dou os medicamentos. À noite, trago os dois para a minha casa. Minha mãe gostou dessa mudança porque passamos a fazer receitas juntas, o que ela adora”, afirma Joana. 

Professora aposentada, a filha resolveu até fazer um curso técnico de enfermagem para cuidar melhor da família. Ela conta que lidar com o pai tem sido mais desafiador. Estripulias, remédios tomados na hora errada ou esquecidos e fugas da dieta são alguns dos contratempos que ela precisa administrar no dia a dia. “Minha mãe, apesar de ser perfeccionista e sempre achar que a gente não faz as coisas direito, reconhece que não dá conta de tudo sozinha mais. Já o meu pai é mais teimoso”, analisa.

Autonomia de uma vida inteira contribui para a não aceitação de ajuda na maturidade

O analista de engenharia Luiz Eduardo Borges divide com a irmã, Mariana, os cuidados com a mãe deles, Telma Borges, de 63 anos. Diagnosticada com Alzheimer há quase uma década, ela não aceita ajuda com a rotina da casa, no Novo Horizonte. “Até hoje ela não reconhece que não tem a disposição de antes e que não consegue mais fazer determinadas coisas. Tentamos explicar que ela precisa de alguém para ajudá-la, mas ela já colocou quatro cuidadores pra fora. Com um deles, chegou a ter uma crise nervosa”, relembra Luiz, ressaltando que, em todos os casos, não se tratavam de pessoas estranhas, mas, sim, primos, amigos e vizinhos da família.

Na avaliação dele, toda essa resistência se justifica pelo histórico de autonomia. Ele lembra que a mãe sempre foi independente, fazia tudo o que precisava e ia aonde queria. “Ela era livre e, agora, não admite que isso tenha mudado. Acho que é daí que vem a não aceitação”, pondera.