Em 2019, Helena*, 38 anos, tinha acabado de sofrer um aborto espontâneo do terceiro filho quando, durante exames de rotina, foi diagnosticada com câncer de mama. “Foi a fase mais difícil da minha vida. Meus filhos tinham 6 e 4 anos. Estava vivendo o luto da perda e precisei encarar o tratamento”, contou.
A mulher, que é manicure, estava casada havia 16 anos, mora distante dos familiares e precisou contar com a ajuda dos vizinhos. Além de toda a batalha travada contra a doença, a vida financeira começou a se complicar, uma vez que ela precisou se afastar da função.
Quatro meses depois de ter retirado a mama esquerda, veio mais uma dor: o companheiro saiu de casa e foi morar há cerca de 200 km de Betim, ignorando, inclusive, as obrigações com os filhos. “Perdi meu chão. Embora tivéssemos discussões, nosso casamento era tranquilo, não havia nenhum tipo de violência ou desconfiança. Ele simplesmente pegou suas roupas e documentos, fez as malas e foi embora. Não chegamos nem a conversar”, recorda-se.
A partir de então, Helena* se viu sozinha com os filhos pequenos, sem uma renda fixa e encarando a quimioterapia sozinha, sem nenhum suporte emocional. “Foi muito difícil aceitar que eu tinha sido abandonada. Me apeguei aos meus filhos e à minha fé para não desistir. Eu tinha vergonha de contar para as pessoas e falava que ele estava viajando, mas não deu para sustentar por muito tempo. Meus vizinhos foram verdadeiros anjos, e a pastoral do bairro não deixou faltarem alimento, materiais escolares e roupas para meus filhos. Foram 11 meses de luta até a cura ser confirmada e eu poder retomar minha vida. Ainda hoje faço acompanhamento psicológico para tentar compreender e superar esse processo, mas, aos poucos, a vida foi voltando ao normal”, desabafa.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia, assim como Helena*, 70% das pacientes diagnosticadas com câncer lidam com a rejeição e o abandono de seus parceiros durante o tratamento contra a doença.
Ainda segundo a instituição, a consequente depressão, que cerca 30% das diagnosticadas têm, é uma barreira que retarda o avanço do tratamento. (Nome fictício)
Para a diretora da Orcca Betim, Maria Goretti Ássimos, enfrentar o câncer de mama é uma missão árdua, uma vez que, além de comprometer a saúde da mulher, a doença está diretamente ligada à sua autoestima.
“Durante o tratamento, a mulher perde pilares importantes da sua feminilidade. Os cabelos caem, muitas vezes a mama precisa ser retirada, e os medicamentos mexem muito com os hormônios, o que altera o humor no dia a dia. Diante disso, pode acontecer de os parceiros não terem maturidade emocional para compreender o processo e acharem mais fácil ir embora”, avalia.
Goretti pontua que, embora seja realmente difícil para todos os envolvidos, é nesse momento que a palavra ‘companheirismo’ deve ser aplicada.
“Qual é o papel do marido e da família neste momento? Não seria essa a hora de se fazer presente, de cuidar, de saber ouvir e acolher? Existem mecanismos, como acompanhamento psicológico e rodas de conversa com especialistas, que envolvem toda a família para que a doença não tome conta do lar. Nesses momentos, se sentir amada faz toda a diferença até mesmo para enfrentar o tratamento”, diz.