O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ingressou, anteontem, como parte ativa na ação rescisória proposta pela Associação dos Servidores Efetivos Arquitetos e Engenheiros de Betim (Amae), que requer à Justiça a anulação da cobrança de R$ 480 milhões que a empreiteira Andrade Gutierrez (AG) faz contra Betim, diante dos indícios de fraude e ilicitudes que cercam o processo.
Essa dívida, que é considerada fraudulenta pela Procuradoria Geral do Município e é questionada pela Polícia Civil, pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e por uma auditoria independente, que atestou falsificação na assinatura de agentes públicos, já tinha um parecer contrário do Ministério Público, que decidiu agora pedir também a anulação dessa cobrança.
O pedido do MPMG foi feito pelo procurador de Justiça Marcos Paulo Cardoso Starling e encaminhado, anteontem, diretamente ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). No despacho, o procurador também reforçou o pedido da associação para que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) conceda uma liminar para suspender o pagamento da dívida, já que há um pedido de bloqueio de R$ 131 milhões contra o município. Esse bloqueio foi determinado pelo próprio TJMG após cassar uma liminar, no último dia 6, que suspendia o pagamento do precatório, e pode colocar em risco a prestação de serviços essenciais no município, em pleno período de pandemia.
A ação rescisória foi proposta pela Amae em agosto deste ano diante de tantas fraudes descobertas pela Prefeitura de Betim no processo que originou a cobrança da AG. No despacho, o procurador de Justiça afirmou que, “tendo em vista as gravíssimas questões deduzidas na ação rescisória” proposta pela associação dos servidores efetivos, requer aos desembargadores que recebam a petição e a liminar.
O advogado Joab Ribeiro Costa, que assina a ação rescisória em nome da associação dos servidores, explicou que, quando um processo transita em julgado (argumento usado pela AG para cobrar valores milionários de Betim), há um prazo de dois anos para contestar e recorrer da decisão por meio de uma ação rescisória. No caso de Betim, o prazo se encerrou em 2011 sem que a prefeitura fizesse, na época, alguma ação para reverter a condenação. Nesse período, o município era administrado pela então prefeita Maria do Carmo Lara (PT). Como o fim desse prazo, o município não pode mais ingressar com uma ação rescisória.
Novas provas
No entanto, de acordo com Costa, o Código de Processo Civil estabelece que um terceiro interessado ou o Ministério Público podem ingressar com uma ação rescisória, mesmo após o fim desse período, caso surjam novas provas, o que acontece no caso de Betim. Isso porque, no ano passado, foi descoberto e atestado por laudos grafotécnicos que as assinaturas no documento apresentado pela Andrade Gutierrez são falsas e que o documento que originou a cobrança foi montado, numa trama cheia de irregularidades entre a empreiteira e agentes públicos.
“A Amae é uma associação de servidores efetivos e propôs essa ação rescisória para defender o patrimônio público, pois ela é uma terceira interessada no caso, já que, no seu estatuto, está a defesa do patrimônio público. E, caso seja efetivado o bloqueio, a folha de pagamento dos servidores públicos poderá ser comprometida. E, agora, o Ministério Público corrobora o processo como parte ativa, reforçando o pedido inicial de nulidade do processo que originou a cobrança, além de requerer também a liminar para suspender o bloqueio”, afirmou Costa.
Betim pode ter R$ 131 milhões bloqueados já nos próximos dias. A AG não se pronunciou.
Segundo o advogado, a entrada do MPMG no processo reforça a contestação de fraude existente na cobrança. “O pedido do procurador é encaminhado diretamente ao TJMG, na segunda instância. É uma ação importante e muito relevante, porque o MP é um órgão que defende o patrimônio público e, ao corroborar o pedido, mostra que a ação tem fundamento. O Ministério Público não iria encampar algo que fosse inconsistente ou infundado. Inclusive, o procurador ratifica o nosso pedido de tutela para suspender o bloqueio”, disse.
Transação "ilegal" é denunciada à CVM
A Prefeitura de Betim protocolou, ontem, na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão que regulamenta o mercado de precatórios e é vinculado ao Ministério da Economia, a denúncia sobre a venda irregular, para o fundo Masone, dos precatórios que a Andrade Gutierrez cobra de Betim. A transação, ocorrida no dia 2 de outubro, contrariou as regras da CVM, já que ocorreu quando o precatório ainda estava suspenso por ordem judicial e não poderia ser vendido, pois há várias ações judiciais que o contestam.
O fundo Masone – que tem 66% de seu capital atrelado a precatórios da empreiteira – pertence ao Banco Modal, citado nas investigações da Polícia Federal (PF) sobre fraudes no sistema financeiro e pagamento de propinas a políticos e empresários na operação Lava Jato, na fase Omertà.
Segundo o procurador geral de Betim, Bruno Cypriano, os envolvidos na transação podem sofrer sanções. “Tanto o administrador do fundo, que é o Banco Modal, quanto os gestores, que é a Quadra Gestão de Recursos Humanos, podem ser punidos. A comissão também pode sugerir aos cotistas a anulação da concessão do crédito, além de retirar o registro do fundo”, disse.
Seis dias após o fundo Masone adquirir o precatório da AG, a Quadra Gestão de Recursos Financeiros, que faz a gestão do fundo, aplicou R$ 350 milhões na Renova Energia, empresa que está em recuperação judicial e que foi alvo, em 2019, da operação da PF “E o Vento Levou”, junto com a AG e a Cemig. Na época, a Receita Federal e a PF investigavam operações fraudulentas usadas para esconder crimes de sonegação fiscal, peculato, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, associação criminosa e falsidade ideológica. A ação teve buscas na Renova Energia, na Cemig e em residências de executivos da AG.