“Não tem mais produção. As roças estão todas perdidas, não posso plantar minha horta, tocar o alambique nem manter a lagoa de peixes. Antes, eu tirava 120 litros de leite por dia; hoje, tiro 20. O rompimento da barragem acabou com tudo”. O desabafo é do produtor rural André Luiz Damasceno Pinto, de 42 anos, morador do bairro Charneca, em Betim, e confirma o resultado do laudo pericial da prefeitura que apontou a esterilidade do solo por contaminação com rejeitos da Vale, conforme foi mostrado pelo O TEMPO Betim na última semana. O município, agora, quer abrir uma nova tratativa com a mineradora para exigir a reparação dos prejuízos decorrentes do colapso da estrutura, ocorrido em 2019.
O levantamento feito pelo governo municipal aponta que a valoração do dano ambiental ultrapassa os R$ 13,6 bilhões. Segundo o secretário municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Ednard Tolomeu, esse montante compreende a realocação de cerca de 150 famílias que vivem em áreas urbanas alagáveis pelo rio Paraopeba; o pagamento de indenizações àquelas que moram na zona rural e não conseguem mais produzir, para que elas possam adquirir novas propriedades; a criação de um parque ao longo de 30 km do leito; e a dragagem de 100 km do curso d’água. “Estamos abertos à negociação – a princípio, na esfera administrativa –, mas, se não tivermos um posicionamento para essas questões, partiremos para a via judicial”, adianta Ednard.
Nesta semana, o secretário visitou imóveis e terrenos invadidos pela lama trazida pelas águas do Paraopeba durante as chuvas de janeiro. Ele afirma que foi possível constatar e registrar os efeitos nocivos do material supostamente contaminado por rejeitos de minério. “As imagens mostram que, infelizmente – não é um termo técnico, mas, para exemplificar –, o solo aparenta estar desertificado. E ele está improdutivo. Inclusive, os materiais encontrados apontam que não há mais condições de se produzir”, frisa.
Ednard também chamou a atenção para as mudanças no cenário atual, de clima seco, em relação ao de anos anteriores. “A poeira está diferente. O material presente no solo é classificado como resíduo IIA não inerte, o que significa dizer que, em contato com a temperatura ou a água, ele continua reagindo, mas a gente ainda não sabe como vai ser essa reação”, alerta o secretário.
Para quem convive de perto com os efeitos prolongados da tragédia, tristeza e desamparo são alguns dos sentimentos que perduram. “Até agora, nada foi feito. A gente é que entrou com a cara e a coragem para limpar a propriedade. Quem ajudou foi a prefeitura, enviando maquinário e caminhões para fazer a retirada da lama. Fora isso, ninguém me procurou pra nada”, enfatiza André Luiz.
Em nota, a Vale voltou a dizer que, “até o momento, pelas análises técnicas realizadas, não é possível constatar vinculação entre o rompimento da barragem B1, em Brumadinho, e os impactos dos alagamentos na bacia do Paraopeba, causados pelo extraordinário volume de chuvas”.
A empresa alegou ainda que, “logo após as enchentes, atendeu a diversas solicitações de prefeituras, além de entregar mais de 480 mil litros de água, cestas básicas, produtos de limpeza, higiene pessoal, colchões e equipamentos de proteção individual”.
Por fim, o texto informa que “a Vale reforça o seu compromisso com as comunidades onde atua e se solidariza com a população atingida pelas fortes chuvas”.